16.11.06

ser ou querer ser miserável

Ainda me lembro quando íamos passar os fins de semana ao Porto da Cruz, terra na encosta Norte da Ilha. O meu pai ía sempre mais cedo, para atender os "doentes"(hoje chamados de pacientes) no consultório improvisado na casa da minha bisavó. Quando lá chegávamos com a minha mãe, depois de muitas peripécias passadas nas curvas e contracurvas a pique num mini azul, víamos sempre sacos com batatas, feijão, couves, galinhas, carne de porco, bananas, maracujás,arassais e inhame, na cozinha. Era normalmente a forma de pagamento destas pessoas. No natal traziam-lhe garrafas de vinho, whisky (ou "uísque" como diz o meu pai) e bolos de mel. Estas garrafas duravam sempre muito tempo, até ganharem pó, e lá se iam acumulando ano, após ano, sem ninguém lhes tocar.
Hoje as pessoas do Porto da Cruz já têm direito a um centro de saúde,a uma escola básica e a estradas menos acidentadas. O Porto da Cruz já não está tão envelhecido como antes, mas hoje já não conheço ninguém de lá. As pessoas preferem ir à piscina que se construíu a ir à praia de areia preta com um mar traiçoeiro que já engoliu algumas pessoas. A quantidade de garrafas continua a crescer, embora não saibamos se estão cheias ou vazias.
Eu e o sr jMAC quando viémos da ilha trouxémos três dessas garrafas de Wiskhy, não havia Wiskhey (irlandês), e transportámos até à ilha Terceira e depois até Lisboa, sem que nos tivéssemos apercebido de que umas delas estava quase vazia. Coisa estranha pois a garrafita parecia intactamente embalada!
Isto só quer dizer que quando os meus pais chegam a casa para almoçar e sentem que a empregada tem um cheiro inconfundível a bebida, e pensam que ela passa na tasca antes de vir trabalhar ou que esteve num arraial no dia anterior( "Ó L. não devia beber nas festas, isso faz-lhe mal ao fígado!" que tem sempre a resposta "Ó srª não bebi nada, isto é da pasta de dentes!") afinal ela bebe destas garrafas tentando mantê-las aparentemente intactas. Para nós é-nos indiferente "perder" estas garrafas, o problema está em ajudar pessoas que não querem ser ajudadas. São como as crianças que se pudessem comer todos os rebuçados comiam-nos sem pensar, só se queixando quando sofressem alguma dor de barriga. E a L. diz sempre "Srª ontem à noite "agoniava-me" toda e fui ao hospital! Nunca mais me chamavam! Vê-se que eles não fazem nada no hospital! Parece que não lhes pagamos para trabalhar!" . Outra vez em período de eleições perguntou "Srª qual é o partido que dá o subsídio ao meu filho?" (filho inválido, que foi transplatado ao rim, mas continuou a sua desregrada vida na bebida, até o rim ter sido rejeitado)

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