27.6.08

"Não, não: nada se pode imaginar neste mundo, nem a coisa mais infíma. Tudo é de tal modo composto de pormenores únicos que não se podem prever. Ao imaginar passamos por cima deles e não notamos a sua falta, tão rapidamente se imagina. Mas as realidades são lentas e indescritivelmente minuciosas. (...)

Não pensava no meu coração. E quando mais tarde me lembrei dele, (...) era apenas um coração particular, que já estava prestes a recomeçar desde o princípio.

Sei que me julguei incapaz de partir imediatamente. Primeiro é preciso deixar tudo em ordem, repetia para comigo. O que era preciso deixar em ordem não era claro para mim. Não havia por assim dizer nada a fazer. (...)

Mas isso não tranquilizava a minha consciência. Vinha-me ao de cima a suspeita de que nenhuma destas influências e circunstâncias fora ainda verdadeiramente ultrapassada. Um dia tinha-as deixado em segredo, tão inacabadas como estavam. Também a infância haveria de algum modo de ser completamente realizada, se não se quisesse dá-la por perdida para sempre. E, à medida que ia percebendo como a perdera, sentia também que nunca haveria de ter mais nada a que pudesse apelar."

in "As Anotações de Malte Laurids Brigge", Rainer Maria Rilke

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