12.1.09

Retrato de uma construção virtual chamada Cidade

Sentados nas escadas do estrelato, reunindo papéis burocráticos preenchidos por gente inconformada, vêem os escapes sufocar quem passa nos passeios de 60 cms com ferros cravados e pneus de carros hipotecados estacionados. A dança dos pés que se desviam e das ancas que se contorcem, ao sabor dos obstáculos, deixam-nos embevecidos.
Bate o sol nas paredes coloridas por azulejos que insistem em cair , ou tintas remendadas pelo tempo. Justapõem-se fios e antenas da paranóia de sermos globais no nosso buraco interior, fechado ao sol.
Os telhados caem em cima das rendas que não se actualizam porque as reformas não crescem. Há casas onde já só habitam o ar, pombos , ratos, baratas, formigas e outros que não precisam de contrato para habitar. Pagam os novos que não ganham o suficiente para viver entre paredes e tecto. Vivem com os pais, com conjuges , com amigos ou desconhecidos, gente com quem não pensam habitar até ao fim dos seus dias.
As entranhas da cidade estão mortas, apodrecem, as artérias entopem, e o coração não resiste aos espasmos de uma morte anunciada. Restam as fachadas, classificam-nas como interesse público. Mas dos ossos, orgãos e musculatura pouco resta. Implodidos pelo tempo. A fachada sustentada por estruturas exteriores atinge transeuntes desprevenidos, até desaparecer.
A cidade torna-se cenário de papel, fértil em novelas e actores medíocres, nascidos de um ventre de aluguer.

Marta

Sem comentários: