30.9.09

velhos do restelo

Caros anónimos, silvas e nomes fictícios, na verdade não sou empregada de nenhuma empresa "atelier" de arquitectura, sou arquitecta na precária condição de emprego com horas e tarefas a cumprir num local fixo de trabalho, mas no regime dos famosos recibos verdes.
Já trabalhei num atelier empresa e note-se que esses são os primeiros a "cumprir regras instituídas como válidas" para não darem nas vistas, ou então fazem projectos "experiência" nas tais zonas que erradamente entendem como descaracterísticas. Não opinem sem ter estado dentro de um atelier empresa!
Ora chegámos ao cerne da questão. O que se entende então como zona característica? Ou melhor o que entendem os Srs. Anónimos, Srs. Silvas e gente identificada com nomes (quiçá verdadeiros) por zonas característica? São zonas típicas, pitorescas, com as lavadeiras, talhos, frutarias, que em Portugal só se mantêm características à "lei da força e do congelamento" e da pobreza de quem não pode melhorar a sua rua e a sua casa?
Meu caros, que habitam em telheiras, expo, Lumiar e altas de Lisboa, o problema de Lisboa está precisamente nos mitos que criámos dela, na falta de entrosamento quotidiano de todos nós naquilo que se entende como "corpo cidade"!
Ora eu como moradora do centro da cidade de Lisboa, criei mitos sobre o que é viver nos subúrbios, assim como cada vez que chego ao "mítico" campo entendo que está tudo errado e que os desenhos que fazia enquanto criança já não são representáveis nos "campos" de hoje. Ora o tempo muda tudo e a "praga" humana alastra-se. Onde passamos é inevitável deixamos o nosso "lixo", característico ou não.
Quando os cidadãos avaliam uma cidade ou melhor julgam uma cidade, arquitectos ou não, olham para cada zona como um impressionista faria, vê-a meia desfocada e tira-lhe uma impressão primária do que entende como elementos comuns, habitualmente chamados de característicos, típicos, ora "característico" não é uma qualidade que se consiga exprimir, quantificando e qualificando seja o que for, logo daí advém o primeiro grande erro.
E como bem disse um comentador, estas avenidas e aliás grande parte de Lisboa caracteriza-se pela procura de identidade. Ora não entenderei bem assim, porque esta é já uma identidade, a diversidade, o desarrumo, as cores, os azulejos diferenciados, os edifícios novos junto aos velhos.
Entendamos Lisboa numa linhagem menos rígida, percebamos porque é ela assim. Quando falamos de estratégia e de futuro de uma cidade temos de perceber como esta funciona, onde estão as suas fronteiras internas, e como toca no resto que não lhe pertence mas com o qual tem de conviver.
A cidade de Lisboa vive de bairros ligados entre si. Foram sendo feitos para resolver problemas de alojamento de uma cidade que ao longo do tempo aumenta a população. E todos estes bairros tornam-se parte da cidade porque inscritos nesta, em situações particulares, que nunca invalidaram o que um de vós muito bem chamou de algo como cópia pastiche do que "está na berra na época" é verdade, têm toda a razão nunca se inventou nada de novo desde os egípcios, astecas, gregos, fenícios, sumérios, etc. Agora cada época sempre pôde existir por si integrada nos legados das outras épocas que a antecedeu. Ora não entendo a fúria "pós-moderna" de não aceitar o que se produz hoje em dia. Ora se calhar entendo... Na verdade o entendimento dos cidadãos em relação ao "novo" sempre foi reticente (olhemos para o velho do Restelo) a diferença é que como a intervenção na cidade nunca foi participada pelos cidadãos, dessas "queixas" antigas não temos registo, porque se calhar não se vivia ainda em democracia.
Ora ainda bem que hoje todos nós podemos chegar a um blogue qualquer, ou a um meio de comunicação social e emitir a nossa opinião. Temos todos esse direito. Experts ou não na matéria. Mas como costumo dizer desses também tenho medo. Agora de facto em relação a este projecto a minha posição mantém-se, não sei quem é o arquitecto responsável, mas é um acto arquitectónico louvável. Os meus sinceros parabéns.

Sr. Alexandre Marques da Cruz, vejo com algum espanto que não percebeu nada do que eu explanei aqui, mas está no seu direito. Vivemos em democracia e até na ignorância temos direito à mesma. Caro Sr. Historiador ou conservador, pelo que percebi. Vejo que o Sr. ainda não estudou a génese da cidade de Lisboa, nomeadamente a da Av. da República, dá-se nos estiradores de escola das Faculdades de arquitectura pública de Lisboa, que a escala do Saldanha perdeu-se a partir do momento em que se começaram a construir os chamados "mamarrachos" na Av. da República, para substituir toda uma lógica de palacetes e moradias que ocupavam estes novos quarteirões em Lisboa. Ora meu caro este nº 37 na Av. da República à data em que foi construído (que com tempo confirmarei a sua data de construção) também levou com esse belo e popularucho epíteto de "mamarracho". Ora hoje em dia, pós-modernamente já não o chamamos assim e mais, agradecemos por ter um exemplo edificado dessa época. Ora o que queremos nós cidadãos da cidade de Lisboa do início do século XXI deixar para daqui a 100 anos como "legado" e "camada estratificada" do "nosso solo", do nosso período histórico. Ora tive um excelente professor de Recuperação Arquitectónica na FAUTL (pasme-se a aparente contradição) que nos fez ver que hoje éramos um bando de paranóicos, que para além de identificarmos o património edificado como "artefacto" e não como "casaco que se pretende remendar, reutilizar e dignificar". Erradamente deixamos as cidades morrer, porque nos sai mais barato ir aos freeports e outlets desta vida. Sai mais barato ir aos cinemas de grande afluência e até temos descontos, em vez de ir à (má recuperação da) cinemateca, ou ao King, Londres e até deixámos que se fizesse o que se fez ao monumental. Pasme-se que ninguém deu por nada quando se fez aquela operação macabra ao edifício que se encontra na rotunda do Marquês de Pombal, onde estava a sede da TAP, e onde estava e está o hotel Fénix. Ninguém notou! Aliás nem devem imaginar do que falo. Sabem o que se passou com aquele edifício???? Ora como recuperar um edifício sai mais caro do que demoli-lo, mandaram-no abaixo. Como??? Mandaram abaixo?! Como é possível, esta tipa é mentirosa? Os edifícios da rotunda do marquês mantêm-se inalterados (dizem vocês). Pois mantêm-se mas o que lá está é um novo edifício, mas fotocópia do anterior, digamos que um clone. Por fora igual por dentro agora adaptado "àquilo que chamam de novas necessidades programáticas".
Enfim vêm como as "grandes empresas de arquitectura" sabem fazer os "serviços" sem causarem ondas. É muito fácil descaracterizarmos a cidade e tornarmo-la num Portugal dos Pequeninos.
Sabem que mais a imagem da vila de Óbidos nunca foi assim, antes do regime de Salazar. As casas não eram branquinhas. Sabem que as ameias dos castelos foram uma "reconstrução", "reinvenção" do regime de Salazar. Pois não sabiam, pois não?
A construção das metrópoles foi sempre alvo de abusos por parte dos seus governantes e poderes financeiros e especulativos.
Mas sintam-se culpados, muito culpados quando olham para os anúncios de apartamentos que se demitem de qualquer parecer ou avaliação arquitectónica. Onde se avaliam as casas pela aspiração central, lugar de garagem, sistema de alarme e de incêndio: Mas claro nisso a "classe de arquitectos" (nossa) também é responsável deixa-se trocar por uns trocos em avaliações imobiliárias e energéticas. Percebo, a vida dos arquitectos é precária, não é como se descreve nas novelas. Os Taveiras desta vida nas festas de copo na mão, com chauffer e escândalos, são mito urbano Lisboeta. A "massa" de arquitectos, anda de metro, a pé, de moleskine na mão, com uns trocos na carteira a ver se ainda dá para o almoço do dia, uma vez que largou 166 euros na segurança social e ainda teve de fazer retenção na fonte do miserável ordenado pago a recibos verdes.
E ainda perguntam se não fazemos projectos grátis. Tenham vergonha muita vergonha!
Analisar e julgar a cidade não é um acto superficial, epidérmico e dogmático. E para as novas zonas, que todos vós entendeis como "descaracterísticas" dever-se-iam querer as "melhores experiências" e não aberrações como as que saltam por aí. Tomara muitos subúrbios terem acesso a este tipo de intervenções. E não falo de imagem. A imagem é consequência da época, do pensamento, do programa. Entre muitas coisas. Actos vazios como fazer um edifício de raiz imitando uma suposta vivência que já não se consegue reconstruir porque já não habitamos na mesma época é de que deveríamos ter MUITO MEDO. PAVOR.


Comentário no Cidadania LX, já não me recordo quando, a propósito de alguns "atentados" ou não na Av. da República.

2 comentários:

Francisco Leão disse...

E não é que a Marta tem toda a razão.

jraulcaires disse...

Acho que não seria capaz de colocar melhor as coisas, apesar de já ser velho...