26.1.07

Chiaroscuro

Em Portugal queremos abolir os tons entre o negro e o branco. O cinzento tornou-se um palavrão, sobretudo porque não sendo muito explícito na sua tonalidade (dependente da luz ou da sombra projectada sobre este) é-nos difícil definir na nossa débil condição de neo-intelectuais. Admitamos que formamos um país extremamente provinciano, de conveniências e pré-adolescente. Na nossa humilíssima irresponsabilidade gostamos muito das facilidades globalizantes, esquecendo-nos, porém, dos seus encargos.
Quando tentamos a todo o custo enciclopedizar chavões ditos culturais, parecendo-nos de repente que todos temos de ler isto, ver aquilo ou ouvir aquele outro, fazêmo-lo como pobres actores de um triste espectáculo burlesco. Gil Vicente foi um dos melhores retratistas da "nobre" sociedade portuguesa, basta ler (e agora espeto com a recomendaçãozita à portuga) o Auto da Índia (que por acaso fazia parte de uma leitura obrigatória do ensino Básico, senão talvez nunca o tivesse lido).
Os ditos "meios culturalizantes" num egocentrismo analítico e exaustivo falam entre si de si e para si próprios. Passam dias, anos, décadas refastelados numa chaise longue (e continuamos a apropriar-nos de tudo o que não é tornado nosso) a psicanalisar sobre o próprio umbigo, cheio de cotão e a precisar de uma ordem de desinfestação.
Sobre a Arquitectura ouvem-se conversas de café, de restaurante (ou de qualquer outro similar lugar onde o português, como bom burguês, enche a pança e esquece as contas para pagar), em que a star persona (o sr. arquitecto), dependendo da personagem que o analisa, passa de besta a bestial. Claro está, que para todos os não "entendidos" na matéria arquitectónica não há espaço de opinião, "Nós os arquitectos é que sabemos!" Tudo "inserido em contexto" (contado por nós) tem explicação e a explicação hoje em dia é o que basta para a legitimação do que pode ou não ser arquitectónico (triste saber, não é?). Fatalmente a era analítica tem-se tornado numa forma psicótica de legitimação existencial de objectos "o rei vai nú" (isto é, que por si, sem referência teórica, não valem nada em absoluto).

Sem comentários: